23/05/10

Das lembranças que levarei comigo quando me for deste mundo...



Os Natais em família, quando eu a tinha reunida;
Minha mãe lendo passagens da Bíblia Sagrada, nessas ocasiões, após a meia-noite;
Os desenhos animados assistidos na infância em simbiose com a inocência;
A comunidade de Monte Dourado, no Estado do Pará, onde convivi com várias nacionalidades e aprendi a respeitar efetivamente as diferentes culturas do planeta;
As pessoas que lá conheci, presentes nos conceitos que norteiam muitas de minhas atitudes e compuseram a formação de minha personalidade;
O primeiro beijo apaixonado;
O primeiro ‘sarro’ que me fez compreender porque os pudicos o temiam tanto;
As memoráveis sessões de cinema no Cine Nazaré, no Palladium, no Jacques e no Pathè, em Belo Horizonte, antes que alguns deles dessem lugar a outros segmentos;
A Feira Hippie, quando ainda se realizava na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, todas as quintas-feiras e domingos;
O filme Retratos da Vida ( Les uns et les autres) de Claude Lelouch;
Meu pai carregando-me em seus ombros enquanto eu assistia à multidão cantar “Noventa milhões em ação / pra frente, Brasil / Salve a Seleção...” por ocasião do tri-campeonato na Copa do Mundo de Futebol, em 1970;
As histórias verídicas contadas por meu pai sobre a sua terra natal que me pareciam contos de fada;
O “tobogã” da Rua Jaú, no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, hoje, difícil de imaginá-lo diante da urbanização necessária nas grandes cidades;
A paixão platônica por um professor de História quando eu tinha 15 anos;
Alejandro Briceño, meu primeiro amor platônico;
O dia em que Alejandro deixou de ser fantasia, tornando-se real quando me beijou e a emoção que me fizera ficar a noite inteira acordada, rindo de felicidade;
Todas as vezes em que burlei a vigilância de meus pais e saía escondida para os bailes da ‘Maloca’, um clube para os funcionários do Projeto Jari, em Monte Dourado, no Estado do Pará;
Todos os banhos de chuva que tomei voluntariamente;
O banho de mar, “vestida de Eva”, em uma praia da Sardenha e a sensação de liberdade que isso me provocara;
A primeira vez que meus olhos tropicais viram a neve;
As inúmeras vezes que eu parava diante da Catedral de Milão para admirá-la;
A arte, em suas diferentes manifestações, presente em todos os lugares que conheci na Europa;
O carnaval em São João Del Rey (MG);
A irresponsabilidade sadia em alguns momentos da adolescência e da juventude;
Os finais de semana passados no “Glória”, Minas Gerais;
A Gincana da Padroeira, outrora realizada em agosto, na mesma cidade;
A primeira vez que aluguei um apartamento para morar sozinha, em um país estrangeiro;
Os passeios de barco no Lago de Como e os banhos tomados no centro deste;
As “baite”, restaurantes de condução familiar, localizados nas montanhas italianas;
O vinho bebido na chegada, após minutos de caminhada, em direção a algumas delas;
Os vinhos bebidos em companhias agradáveis;
Belo Horizonte, com e sem as loucuras que eu e meus amigos vivemos;
A ilha de Florianópolis em pleno janeiro;
Os bate-papos nos bares romanos, aqueles freqüentados por seus moradores, aqueles fotografados somente em minha memória;
A cuba libre, o daiquiri e a caipirinha;
As músicas de Donna Summer, ABBA e Bee Gees que embalaram o final dos anos 70 e os adolescentes, eu mesma um deles;
Meus irmãos e as tardes musicais em nossa casa sob os olhares de reprovação de minhas amigas, ao som de Deep Purple, Led Zeppelin, Janis Joplin, Jimi Henrix, Santana, PFM, dentre outros;
As paixões vividas intensamente;
A antiga estrada de terra que ligava a BR-040 a Caranaíba ( antigo Glória), terra de meu pai;
As férias escolares na casa da prima Zina na mesma cidade;
Aquelas na casa do primo Luís Santana;
Meu primo Chiquinho, então com cinco anos, ensinando-me a cavalgar;
Meu cachorro Max;
As músicas interpretadas por Maria Bethania, Fiorella Mannoia e Elis Regina com seus talentos canoros que me apaixonam;
Chico Buarque de Hollanda e Milton Nascimento, aquele pela sua veia literária, este por tudo o que um cantor e compositor pode ser;
As músicas de Ennio Morricone, Ravi Shankar, Raul Seixas, os poemas musicais de Fabrizio De Andrè e uma infinidade de talentos os quais aqui não caberiam;
As crianças que eu amo as quais considero os filhos que não tive;
O prazer da leitura, ato solitário e necessário no crescimento humano;
As músicas clássicas;
As fotonovelas italianas lidas, às escondidas de minha mãe, na infância e parte da adolescência que me despertavam a curiosidade do proibido;
As obras de Machado de Assis, Eça de Queirós, Cecília Meireles, José de Alencar, Fernando Pessoa, Jorge Amado, Clarice Lispector, Adélia Prado, Mario Quintana, Andrea Camilleri e tantos outros (impossível citar todos);
O meu ecletismo literário;
A franqueza divertida da falecida Maria do Sô Nico, conterrânea de papai;
Os colóquios agradáveis e históricos com Zé Nico, o tio Zé;
O sonho que acompanhou toda a minha infância e adolescência – o de conhecer minha irmã Diná, fruto do primeiro matrimônio de meu pai;
As noites em que eu não queria dormir para ver Papai Noel chegar, quando, é claro, ainda acreditava que existisse;
Eu no colo de meu pai, ouvindo suas histórias;
A objetividade de minha mãe, impregnada em meu caráter;
As memoráveis viagens feitas em todos os planos possíveis;
Todas as lágrimas de felicidade derramadas, inundando até a alma;
Natália Pozzi Redko, paulista ítalo-russa, amiga querida, para sempre companheira das minhas lembranças, com quem aprendi tanta brasilidade;
O silêncio da noite que me faz perceber o turbilhão de histórias que temos para contar;
O sol nascente e poente traduzindo a certeza do eterno renascer;
Meus amados sobrinhos;
Meus irmãos que procuraram, voluntariamente ou não, mostrar-me suas experiências vividas como se, ainda assim, quisessem preservar-me da imprevisibilidade da vida;
A imprevisibilidade da vida regalando-nos todas as oportunidades para crescer;
A afinidade sublime com meu eterno amigo Cléber, vulgo Luell;
Os lenços que me faltaram nas sessões de cinema para enxugar as lágrimas de emoção, docemente compreendida por aqueles que, silenciosamente, as compreendiam;
A chuva, a janela, a poltrona e um livro em minhas mãos, enquanto eu fixava o olhar em uma cadela que tentava proteger seus filhotes da água torrencial;
A irredutível proteção materna das fêmeas;
O meu lado frio nas circunstâncias delicadas com os meus semelhantes - devo realmente dizer que isso, às vezes, me surpreende;
O desmoronamento emocional que, quando sozinha, isso também me provoca; paradoxalmente, a satisfação da certeza de não ser tão insensível quanto eu possa, em alguns momentos, parecer;
Aqueles que, não me conhecendo bem e que, em alguns momentos, não me compreendiam, apesar das calorosas permutas ideológicas, me ensinaram que não devemos exigir nada das pessoas;
O silêncio do pensamento;
O ruído da chuva, enquanto se está bem aquecido, na cama;
As gargalhadas espontâneas;
O idealismo de K. Marx, F. Castro, Luís  Carlos Prestes, Enrico Berlinguer e tantos outros lidos na adolescência e juventude;
O ímpeto dos meus trinta anos: eu ainda, pasmem, achava que podia mudar o mundo;
Os beija-flores beijando flores com suas asas invisíveis;
Os livros de Monteiro Lobato lidos na infância;
As corridas vencidas, cada uma a seu modo, por Ayrton Senna;
A Sereníssima, isto é, Veneza;
As trilhas sonoras de Ennio Morricone;
Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”;
Da repentina visão da “Pietà” de Michelangelo ante meus olhos descuidados;
Os céus estrelados;
A narrativa de “O Pequeno Príncipe” de Antoine Saint-Exupèry;
A de Maurice Druon em “O menino do dedo verde”;
O último capítulo de “O nome da Rosa” de Umberto Eco;
Nelson Mandela, um dos meus pontos de referência a quem recorria quando a coragem parecia me abandonar;
Os cheiros e aromas de fazenda: da terra molhada, de suor de cavalo, café adoçado com rapadura, a dama-da-noite perfumando a própria e tudo mais quanto seja perfume de campo;
Os sons do campo: seriema nos pastos, o mugido solitário e noturno da vaca chamando o bezerro, o gemido contínuo de carro de bois carregado, o relinchar súbito e agudo dos cavalos, o gemido seguido de baque da porteira velha se abrindo e fechando, os passarinhos saudando a manhã;
A descrição da Festa de San Fermín feita por Ernest Hemingway em “O Sol Também Se Levanta” (The Sun Also Rises);
O disco “The Dark Side of The Moon” do Pink Floyd;
Os filmes “Central do Brasil”, “Cinema Paradiso”, “A montanha dos gorillas”, “Perdas e danos”, “Parenti Serpenti”, “O Expresso da Meia-noite”, “Sociedade dos Poetas Mortos”, “Blade Runner”, “Dressed to Kill”, Bye bye Brazil”, “Ben-Hur”;
A afinidade com Gilberto Pittella, médico e amigo, possuidor de uma sinceridade cômica e alucinante, típica dos que suscitam alerta para os que são capazes de compreender as coisas e rejeição para os que ainda não possuem alcance necessário para ler as entrelinhas;
As sensações provocadas por palavras proferidas distantes elevando a minha imaginação;
Os amigos, quando conscientes desta condição;
A indescritível emoção da primeira vez que a ouvi a voz de minha irmã Diná, cuja lembrança imaginária desde sempre povoava meu coração e minha mente;
As pessoas nobres de coração que a vida me presenteou e que se tornaram inesquecíveis para mim;
A certeza de não me arrepender dos meus feitos e da coragem que sempre me sustentou;
Ter podido escrever e recordar essas sensações!

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